Gosto do que é antigo, hoje. Não pela patine, ou pela reverência do passado, mas porque até há 100 anos atrás no Mundo civilizado (até há bem menos em Portugal) a proporção de objectos quotidianos feitos à mão era enorme comparada com o que é hoje. Hoje é impossível (e não muito desejável) ter massas de artesãos mal pagos a aplicar cornijas de estuque, a cortar guarnições de madeira na topia, a cozer tijolos. Pelo menos não no Mundo civilizado, em que a exploração não é bem vista, e por isso tudo o que é manual é muito caro e reservado a poucos.
Assim, a arquitectura antiga, por muito má, desproporcionada, desconfortável que às vezes possa ser, tem sempre essa característica que a redime: o charme de ter sido construída à mão, por meios relativamente simples e pouco sofisticados, aproveitando os recursos e os talentos do sítio. E facilmente actualizável a um modo de vida contemporâneo, sem grandes custos. Uma casa antiga na Guarda é diferente de uma casa antiga no Porto, ou em Aveiro, ou em Lisboa, e nisso está o seu valor.
Em Portugal, além de muita coisa antiga a cair, há muito modernaço novo, e cada vez mais. É o modernaço das recuperações modernaças, que não tem medo da nossa época e de a afirmar no Antigo. Afirmar, como quem diz, à marretada. Feito por arquitectos medíocres, desenhadores jeitosos, construtores ignorantes, mas copiado das estrelas da arquitectura que o validaram e tornaram moda. Cada vez há mais uma casa antiga que foi violentada, esvaziada, e deixada com a fachada de fora e uma caixa com caixilharias metalizadas a sair por trás. As janelas de madeira desaparecem, substituídas por um vidro com aros invisíveis. A pedra que devia estar protegida por reboco é deixada à vista. O telhado que servia de caixa de ar é aplanado e transformado em sotão recuado revestido a cobre ou zinco. Põem-se madeiras novas, envernizadas, portas de garagem e de entrada planas e sem pormenor. O volume do elevador aparece colado a uma das paredes. Afirmando bem a nossa época com o mecanismo e os cabos à vista. Porto, Aveiro, Guarda. Como cogumelos aparecem nas nossas cidades, ao lado de outros edifícios belos, antigos, a cair e à espera de igual ou pior fortuna, à mercê do humor do iluminado que lhes pegar.
Em Aveiro já quase não existe nada que valha a pena ver, na Guarda continua-se a escangalhar tudo o que se pode em nome desta moda estúpida e de dar que fazer às pessoas. Falo de cidades que já tinham pouco de centro histórico, mas que até há não muitos anos tinham nele essa característica do antigo: o ser único, por ser feito à mão. Com cada casa que cai e cada objecto modernaço que se levanta, ficam mais parecidas a tudo o resto, a toda a pobreza de paisagem que se apodera do nosso pobre país. Que, cada vez mais pobre, mais destrói as casas antigas, que são das poucas riquezas que possui. Pode ser que mude, e espero que não seja tarde.
12 de janeiro de 2010
Portugal
posto pelo Alexandre às 05:26
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
5 comentários:
Estou contigo.
se fosse o facebook carregava no "like this button". Este texto merecia ser transformado em artigo de jornal.
concordo. Acrescento que hoje em dia não ha quem trabalhe em madeira para recuperar um corrimão ou um soalho à antiga. O mesmo se passa com trabalhos em pedra. Não quetrem fazer e não sabem.
Recuperar uma casa no centro histórico é praticamente impossivel, dada a carga burocrática. Passei por esse labirinto e ia-me ficando, com os nervos e dias que lá perdi. Não desejo a ninguem tal carga de trabalhos, papeis inuteis e estúpidos, esperas e perda de tempo. Tratava-se simplesmente de pintar uma fachada, mas para tal era nescessário multiplas licenças, multiplos projectos, papeis e papelinhos e contactos. Desisti.
Só há duas vias: ou se faz à rebeldia da Camara ou não se faz nada.
Por isso as cosas estão como estão. Temos exactamente o que mereçemos.
Descobri esta mensagem,e respectivo blogue,através do Cefé Mondego.
Como o compreendo.Estou cansado de dizer o mesmo ou quase,não tão bem,nem com conhecimentos técnicos.
Recuperei,onde vivo,uma casota no Vale do Mondego.Além da carga de trabalhos,a tentar manter a traça e os materiais,fui sendo sempre aplidado de louco.
Embora inacabada,terei todo o gosto em que a visite,para o que desde já está convidado.
Saudações cordiais,
mário
Sei que és adepto do arts & crafts. O problema é que o mundo onde vivemos actualmente é hostil a qualquer espécie de artesanato - ou melhor, transformou-o numa atracção turística e pitoresca, que nós fotografamos como se estivéssemos numa selva a observar uma espécie em vias de extinção.
Os mercados globais - como o do país onde resides - são em parte responsáveis por isso.
É mais fácil, barato e exequível exportar do outro lado do mundo do que pedir a alguém que está ao nosso lado (por acaso, até desempregado) para nos fazer... com mais qualidade e personalizado.
Já fazemos parte da geração que observa o seu mundo não como o fruto de uma larga história, mas como o primitivo entende a selva: como o seu meio natural.
Enviar um comentário